Twin Peaks é um sentimento, pois ele não se escora e depende totalmente da aura de suspense e mistério bizarro, nem resolver o assassinato da Laura Palmer era o fator principal quando David Lynch e Mark Frost criaram a série. Esse sentimento que permeia os episódios é uma sensação bem trabalhada pela direção do Lynch e bem representada pelos diversos personagens, tantas peculiaridades, tantas questões que rondam os segredos as quais eles escondem.

Twin Peaks é diferente, tanto tecnicamente pelo mesmo de sempre: a narrativa não convencional de manter o mistério no ar e jogar pistas em cenas de teor abstrato intrínsecas à autoria do Lynch de um jeito que nenhum outro seriado de uma época conservadora fez, quanto narrativamente; os mistérios que levariam Cooper ao caso mais esquisito da sua vida começou pelo caso Blue Rose, um projeto ultrassecreto do FBI e do governo norte-americano para investigar casos que aparentemente são, de fato, de causa sobrenatural e como algo além da nossa realidade está nos afetando. Laura Palmer, Teresa Banks, todas elas foram vítimas de um destino que não está nas cartas, uma realidade alternativa que parece ditar o que ocorre no nosso mundo. Não por acaso, o simbolismo da Rosa Azul é claro mas abrangente com os temas da série: rosas azuis não crescem naturalmente, e em diferentes culturas significam o estranho, raridade e novos começos. O estranho são os casos que envolvem manifestações vindas do Black Lodge e do White Lodge e seus seres, a raridade é o que é afinal, não é em qualquer lugar que um pai possuído por um demônio mata sua filha; e novos começos sendo a mudança radical na vida de todos os envolvidos. Suas vidas nunca mais serão as mesmas.

Com novos esclarecimentos do The Return, eu creio que Lynch separa sua série em dois conceitos para explicá-las porém é o telespectador que deve escolher qual é a “grande verdade”:
— A sonhadora Laura Palmer: sem muitos misticismos para a ideia da deuteragonista. Laura Palmer era uma jovem que vivia num lar desconfortável, em Twin Peaks: Fire Walk With Me (1992) podemos ver claramente como Leland e Sarah não se preocupavam com a filha e Leland partia para atos perturbadores com ela, por isso ela encontrou na prostituição e drogas um caminho para fora de uma realidade doída. No fim, Laura Palmer é a sonhadora, como explica indiretamente Monica Belluci em 3x14 “Part 14”, que vive no sonho como uma sombra e o símbolo de um inferno, porém liberta do terror de Twin Peaks. Seu grito icônico no Red Room é o grito de uma alma perturbada, na história de seu sonho, teve a vida encerrada pelo pai e continua convivendo com uma dor tão profunda. Entretanto Palmer não quer acordar, na dor ela encontrou conforto, depois de tanto tempo sem saber e reconhecer a beleza do confortável, o desconforto conforta uma alma inquieta.

— O mitológico e fantasioso mundo de Twin Peaks: talvez uma definição mais “divertida” do que filosófica e psicológica como abordada no anterior. Em 1945, os testes da bomba nuclear rasgaram o tecido complexo da realidade, nos conectando a uma dimensão paralela de seres altamente perigosos e que podem causar efeitos negativos na Terra. Perfeitamente ilustrado no 3x8 “Part 8”, o episódio de linguagem mais experimentalista e um dos mais diferentes e enigmáticos do seriado, a explosão química abriu um buraco para que BOB, Judy, O Bombeiro e companhia cheguem na Terra; Judy, o ser de poder supremo, cria formas que futuramente serão Laura Palmer e BOB, ela é a mãe de tudo e simbolicamente isso é conectado. Continuando a falar sobre o episódio 3x14, uma das facetas de Sarah é Judy, ela vê tudo e comanda tudo, ela criou Laura décadas antes pois justamente ela será sua filha e a chamou de volta para o Black Lodge matando-a por meio de BOB; por outro lado, o homem de cabelo grande grisalho se prova um egoísta, atrapalhando a natureza assassinando Maddy e trocando de vida com Dale e prendendo-o no Black Lodge por 25 anos; sendo assim, por meio da ajuda do Homem de um Braço Só, a missão de Cooper: sair do Black Lodge, voltar para Twin Peaks e derrotar BOB. Porém como vimos, Dale aproveitou a instabilidade do espaço-tempo para retornar a 1990 e entregar a Laura Palmer à Twin Peaks de volta, porém Judy desfaz sua tentativa de mudar a história e chama ela novamente. Laura é Carrie Page na nova linha do tempo, mas se lembra perfeitamente de tudo que viveu e grita como resposta.

Twin Peaks é uma fábula escrita por David Lynch, o diretor por trás dos nossos sonhos, o mesmo procura remover a máscara por trás desses personagens tão intrigantes e misteriosos mas tão carismáticos e tornar vivos um lugar e a imagem de alguém morto. Laura Palmer é a personagem mais icônica sem aparecer linear e essencialmente viva, sua descrição, sua presença inesquecível nas memórias dos cidadãos de Twin Peaks, a saudade forte e uma parcela de culpa atribuída nos personagens do núcleo adolescente cresce o mito de Laura Palmer exponencialmente. Por trás dos belos pinheiros e abetos, há segredos tenebrosos, Lynch e Frost não hesitam em filmar o inconcebível num lugar que parece que veio diretamente do nosso subconsciente: um lugar de segredos obscuros e imagens esquecidas em busca de blindar o consciente. Algo parece ditar nosso destino, nos chamar e entregar a luva de borracha, mas também há algo de imprevisível na jornada da vida, não sei, essa é a verdade, talvez nunca saberemos a verdade e morreremos assim, talvez nunca entenderemos como nossas escolhas não resolveram o conflito, talvez nós nunca saibamos por trás de qual arco-íris se esconde o pote de ouro e qual arco-íris esconde um paraíso de desgraças. Mas sem todas essas coisas, num outro talvez, a vida não teria graça para ser vivida por tanto tempo como todo mundo incentiva. 